quinta-feira, 5 de julho de 2012

Temas atuais II

Sobre o sistema prisional brasileiro
Sobre os que estão nas prisões sabemos que em outros tempos, em vários lugares, muitos deles estariam mortos sob aplicação da pena capital. Muitos acusados de crimes, culpados ou não, foram enforcados, crucificados, fuzilados, guilhotinados, lançados ao mar, açoitados até a morte, atravessados à espada ou pela lança. Penas nem sempre legítimas ou justas. Por causa disso a pena capital foi abolida no mundo e em algum local onde ainda existe sempre surgem notícias de condenações equivocadas. Então, nesses casos, a sociedade se fez ratificadora do Estado arbitrário, carrasco dos seus próprios cidadãos. E ainda assim não se repeliu o crime nessas localidades. 

E quem pode dar garantias de que sob a pena de prisão também não houve e não há pessoas punidas injustamente? Atualmente as penas aplicadas passaram teoricamente a ter o objetivo de ser educativas, ressocializadorasComo se ensinar ao contraventor, delinquente, marginal o respeito à lei para reger a sua conduta, se a sociedade em parte a despreza quando da aplicação dessa mesma lei ao acusado? Se, como ocorre a eles, os cidadãos buscarem a sua aplicação sob o aspecto da conveniência, não na sua totalidade? O verdadeiro cumprimento da lei, que impressiona e ensina, não é aquele que nos faz conceder ao outro o direito que nós não gostaríamos de dar? E nos faz cumprir deveres que não nos são gratos? 


O infrator precisa de exemplos contundentes da dignidade humana a embasar-lhe a superação de suas deficiências na busca de princípios éticos e morais norteadores de uma conduta digna. E isso só é possível ao se aplicar as penas legais ao infrator lhe concedendo efetivamente cada direito possível que a lei não lhe tolhe ou restringe como o acesso a colchão, lençol, toalha, produtos de higiene íntima, revista, livro, medicamentos, etc. geralmente levados pelos seus familiares. Além do acesso à instrução escolar e religiosa e às informações seculares.
Nesse ambiente inóspito as diferenças não são levadas em consideração. Se junta o iniciante praticante de um crime de leve potencial ofensivo à população com o reincidente praticante de crime hediondo, o infrator fortuito com o contumaz, o detento de sessenta anos com o de dezoito, o homossexual com o homofóbico. 

É essa noção de legalidade, justiça, civilidade, dignidade que a sociedade quer lhes ensinar, modelo do Estado de direito que pretendemos estabelecer? Deve haver o controle social efetivo sobre o sistema prisional aniquilante, com sua arcaica política de segregação do infrator das regras legais. Cidadão x lei. Infrator x sociedade. Tentemos fazer do sistema prisional uma ferramenta eficaz na resolução desse conflito histórico.
A ação do agente policial é diferente da ação do agente prisional, mesmo que sejam atribuições exercidas pela mesma pessoa, como acontece nas delegacias de Polícia. O primeiro tem que identificar, localizar, enfrentar, manietar, dominar o infrator e levá-lo à prisão. O segundo tem que mantê-lo na prisão contra a sua vontade. Mas como deverá ser esse regime prisional? Quais os objetivos válidos desse regime? O que deve ser alcançado de profícuo nesse regime para proveito da sociedade? Ainda são repetidos os equívocos do passado, de resultados inócuos na instrução ou de efeito mais nefasto na volta do infrator para a sociedade que não só o puniu, mas se vingou? 

Quais as verdadeiras funções do agente prisional em suas atribuições de agente do Estado impessoal e legalista? Eu, como agente da lei, por várias vezes, fui o prendedor de pessoas por algum ato delituoso, o seu opositor físico em algum embate surgido, o acusador na inquirição formal como seu condutor, o carcereiro na sua custódia, mas também fui de forma diligente o seu “socorrista” nos casos de enfermidade e o seu protetor contra as investidas de parte contrária, como deveres do meu ofício. E por que isso? Porque a pessoa sob a custódia do Estado tem deveres e direitos assegurados pela lei que rege esse Estado, lei que lhe faculta o poder-dever de custodiar definitivamente ou cautelarmente e lhe atribui responsabilidades.
Percebemos então que a função estatal vai além de excluir da vida social o ente extraviado dos bons princípios que fazem saudável o corpo social. Não temos autorização legal para excluir o infrator do amplo alcance da lei, nem da humanidade da qual é constituído. Deve ser a lei o que repreende e instrui, priva de funções e imprime noções – ainda que por caminho inverso - de civilidade, pune e ampara, exclui para enfatizar e preservar os valores sociais. Excluir nesse sentido não é anular indefinidamente.

É afastar para ser consertado, restaurado, impedido de prosseguir no seu feito danoso e multiplicador de danos. Mais que apenas razoavelmente inibir, coibir o ato criminoso, antissocial devemos estabelecer modelos que façam os errantes – principalmente os mais jovens e as futuras gerações - ver a lei como a maior aliada que temos para alicerçar a plena cidadania, conquistar a melhor qualidade de vida. Enxergar que nos direitos do outro estão assegurados os direitos de todos, portanto os nossos.
É deprimente a visão das carceragens como deprimente foi a visão de cenários de crimes que foram perpetrados por vários dos que estão nelas.  No entanto o Estado não deve se igualar aos infratores na produção de ambientes, estruturas e esquemas degradantes como o são no submundo do crime. Um sistema prisional justo para ensinar ao preso a justiça da sua prisão. Torná-lo um alvo da aplicação diligente, eficiente e contundente da lei e ainda assim um seu beneficiário, não um desvalido dela. O Estado como aquele pai que disciplina, pune e sustenta o filho nas suas necessidades. Sem paixões, o Estado é impessoal. Como não foi na ditadura militar e em outros regimes de exceção.
No Brasil se prende por menos tempo para se compensar a omissão do Estado, ou das autoridades que o compõe, no tratamento adequado, produtivo - sob os aspectos a que se propõe - ao interno prisional. Concedemos um terço, remição, regime semi aberto e aberto, indulto, etc. Primeiro se morde muito para depois soprar. Por isso existe a prisão especial para os privilegiados, porque é realmente necessário no contexto atual ao menos a sua separação, e trinta anos é a pena máxima adotada para quem tenha sido descoberto praticando uma lista interminável de crimes, mesmo os hediondos. 

Faltam elementos básicos na ressocialização do interno prisional: educação fundamental, curso profissionalizante, palestras edificantes e motivadoras nos depósitos dos excluídos repreensíveis e estigmatizados, sedados moral e civicamente, esperando o dia em que a sociedade vitimada lhes dará o passaporte para retornar ao seu convívio, pior do que saíram. Levados a se reconhecerem eternamente como deformados, párias. Sentenciados ao fracasso total e definitivo, mesmo os bem jovens. Nascidos com baixa consciência moral e espiritual e depois desumanizados, tornados irremediáveis pelo sistema. Quando muitos poderiam ser reformados.


Por tudo isso exposto consideramos necessário uma reconsideração na aplicação da política estatal de custódia dos presos brasileiros, no interesse final de proteger a sociedade de reincidências delituosas dos que também estão sob a égide da lei, sob a responsabilidade objetiva do Estado.


Alberto Magalhães


Interpretações
Comentário acerca de críticas ao artigo "sobre o sistema prisional brasileiro"
As pessoas geralmente não deturpam as coisas ditas (ou escritas) simplesmente porque não entenderam direito, mas porque fingem não entender e fazem oposição (muitas vezes velada) ao enunciado, movidos por seus interesses pessoais. 

Quanto mais profunda for a percepção do pensamento e a sutileza na explanação do enunciado mais contradições vão alegar que estão contidas nele, além de que vão buscar outras razões para depreciar os argumentos ou para desmerecer a pessoa do enunciador, como se uma coisa dependesse da outra para ser, para existir como verdade fatual.
Quando se defende a condição humana de uma pessoa custodiada pelo Estado, sob a guarda de um agente público, essa exposição não se refere a nada além da observação dessa condição na custódia estatal obrigatória, não retroage à atuação anterior do ente custodiado, motivadora da medida retaliadora oficial. Nem tampouco adentra outros meandros da questão, como a má conduta carcerária. 

Essa percepção trazida à lume para clareamento das mentes obtusas trata apenas da parte ontológica da questão - condição humana/desumana -, promovida por pessoas integrantes de uma sociedade que se diz humana, civilizada, digna. Ademais nem todo mundo hoje que profere a palavra – ou a escreve - para deleite do espírito, preocupa-se mais com a sua imagem produzida pelos levianos de plantão.


Não se acha mesmo muitas referências confiáveis para nos servir de parâmetro. A máscara dos “homens de bem” da atualidade paramentados em ternos, togas ou vestes sacerdotais, bem como agraciados por títulos e cargos, há muito caiu nesta nossa nação (tributo às honrosas exceções).

A inocência das massas, hoje, é uma quimera. O corporativismo indecente e nocivo dos segmentos sociais formais já está posto a nu e o povo explorado, desacreditado do sistema estatal e saturado dos esquemas institucionais viciados fará uma desconcertante revolução nesse país onde se brinca de fazer democracia para finalmente e não tardiamente chegar ao domínio do poder, ao pleno exercício do governo do povo, pelo povo, para o povo.
Alberto Magalhães 

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